sábado, 13 de agosto de 2011

RESENHA DE IRACEMA

ALENCAR, José de. Iracema: clássicos da literatura. Barueri. São Paulo: Editora Gold, 2004. (144 páginas).

No romance "Iracema", o autor José de Alencar desvenda uma história de amor vivenciada nas matas do Ceará pelos personagens Martim “Guerreiro branco” e Iracema “a índia virgem dos lábios de mel”, ao passo que expõe através de uma perspectiva crítica a relação entre as tribos indígenas e os colonizadores brancos. O conteúdo do livro está organizado em trinta e três capítulos curtos e bastante detalhado, sendo cada um de extrema importância para a compreensão do todo da obra. Percebe-se que o autor utilizou com propriedade um vocabulário voltado para a língua Tupi - guarani, o que garantiu um toque original à identidade literária brasileira.
Conhecido como o primeiro grande romancista brasileiro, o escritor José Martiniano de Alencar nasceu em 1º de Maio de 1829, em Mecejana, Ceará. Ele exerceu diversas funções ao longo de sua carreira, atuou como advogado, jornalista, deputado e ministro da justiça, porem jamais deixou de lado a tinta e o papel. Formou-se em Direito em 1850 e aos 26 anos publicou sua primeira obra: “Cinco Minutos”. Em sua ampla e variada obra, destacam-se os romances urbanos: A Viuvinha (1860), Lucíola (1862), Senhora (1875); os romances indianistas: O Guarani (1857), Iracema (1865), Ubirajara (1874); e os romances regionalistas: O Gaucho (1870), O Sertanejo (1876). José de Alencar morreu em 12 de Dezembro de 1877 no Rio de Janeiro deixando como espólio, vários romances que entraram para a história da literatura brasileira.
No capítulo inicial Alencar realiza uma minuciosa descrição da paisagem natural da Costa cearense atrelando à partida de Martim com seu filho após a morte de Iracema e num jogo de palavras transmite ao leitor a melancolia de espírito que o guerreiro branco vivenciava com a perda da sua amada. O autor dá inicio a história no 2º capítulo, história esta narrada em 3ª pessoa por um narrador onisciente, ou seja, mesmo não sendo um dos personagens consegue ver e transmitir tudo que os personagens sentem. Iracema é idealizada como uma mulher doce e ao mesmo tempo guerreira, de acordo com Alencar, (p. 14) “Iracema saiu do banho: o aljôfar da água ainda roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, em pluma das penas do gará as flechas de seu arco e concerta com o sabiá da mata, pousando no galho próximo, o canto agreste. ”.
O autor demonstra ambas as características, “doce e guerreira” quando a compara com a mangaba doce e no momento que afirma a presença do arco e flechas, instrumentos utilizados pelos índios como ato de defesa.
A virgem dos lábios de mel se arrepende e quebra a flecha da paz com o estrangeiro, firmando assim amizade, como expressa o autor: (p. 15) “A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida; deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.”.
Iracema e Martim seguem para a cabana do pajé, Araquém, pai de Iracema, lá o jovem guerreiro é recebido com hospitalidade e mesmo Martim revelando ser amigo dos potiguaras, tribo inimiga dos tabajaras, como revela Alencar (p. 17) : “Sou dos guerreiros brancos, que levantaram a taba nas margens do Jaguaribe, perto do mar, onde habitam os pitiguaras, inimigos de tua nação.” Porém, o pajé Araquém assegura que o estrangeiro é bem vindo em sua taba. Logo, Iracema traz belas mulheres da tribo para “servir” ao guerreiro, fato que evidencia que o papel da mulher nesta época era basicamente servir e satisfazer aos senhores, isto é, ela era vista como um simples objeto de reprodução. Martim por sua vez não aceitou, pois esperava que Iracema ficasse com ele, ao descobrir que Iracema jamais poderia ser sua serva por guardar o segredo da jurema, o guerreiro decide sair da cabana e só retorna a pedido de sua amada.
Por conseguinte surge o grito de guerra de Irapuã, grito este simbolizando um duelo contra os “potiguaras”, mas o velho Andira, irmão do pajé, com um tacape passando de mão a mão interrompeu a ação de Irapuã, demonstrando assim ser contra aquele ataque. Enquanto isso, Martim apresenta melancolia em meio das lembranças de sua pátria e de seu povo e para tentar reanimá-lo, Iracema o conduz até o bosque sagrado da jurema e serve uma bebida. Martim toma e no mesmo instante realiza uma viagem inconsciente ao passado e retorna chamando o nome de sua amada, o autor deixa explícito que a bebida despertou a paixão que o estrangeiro sentia pela virgem dos lábios de mel.
Em conseguinte, Irapuã expõe o ódio e ciúme que sentiu ao saber que Iracema estava a sós com o guerreiro branco e proferiu uma ameaça. Diante desta ameaça, com o intuito de protegê-lo a virgem avisa que quem a possuísse morreria, pois este ato romperia os rituais secretos da tribo tabajara. Mesmo tendo ciência do perigo mortal que envolvia um enlace da virgem com o estrangeiro, ela já sentia seu coração palpitar por ele, como descreve o autor (p. 26): “Desejava abrigá-lo contra todo o perigo, recolhe-lo em si como um asilo impenetrável. Acompanhando o pensamento seus braços cingiam a cabeça do guerreiro e a apertava aos seios.”
Isto nos leva a crer que Iracema começava a sentir pelo guerreiro um sentimento de cuidados e de amor pela vida daquele que ela docemente desejava, e ao enlaçar sobre ele os seus braços reafirmava assim seu compromisso de proteção. No entanto, Iracema percebeu que esse seu sentimento não seria unicamente de proteção, como afirma o autor: (p. 28) “A filha do pajé estremeceu. Assim estremece a verde palma, quando a haste frágil foi abalada.” Com isso, é plausível dizer que, ela sentia-se emocionalmente desequilibrada, principalmente devido ao fato que acontecia em seguida: a partida do guerreiro para a sua nação, e a jura de morte feita ao mesmo por Irapuã.
Iracema acompanha o guerreiro para garantir que no momento em que ela o deixasse, irá deixá-lo em segurança, então ela voltará para o seu povo trazendo consigo a tão almejada paz que seu coração tanto desejava. Porém, anoiteceu durante o percurso e a virgem formosa deu a bebida de tupã para Martim, quebrando assim o ritual sagrado. Como relata o autor: (p. 55) “[...], a filha do pajé traiu o segredo da jurema.” Assim, ao passar a noite com o estrangeiro, Iracema afastou dela o segredo da fertilidade da tribo, dessa forma, não poderia mais voltar à cabana de Araquém, pois, naquele momento ela passara a ser esposa do estrangeiro.
Todavia, abandonando seus costumes, sua religião e seu povo a noção de ruptura era perturbadora e repercutiria também, o desespero para os envolvidos, a partir daí necessitavam com urgência chegar o quanto antes as terras do estrangeiro, uma vez que sabiam que os tabajaras viam velozmente buscar Iracema tendo na fuga o estopim da batalha. Diante da guerra sangrenta vendo que alguns dos tabajaras fugiam para escapar da morte e tantos outros não conseguiram, Iracema olhava-os com semblante entristecido. Como afirma Alencar, (p. 59): “Os olhos de Iracema, estendidos pela floresta viram o chão juncado de cadáveres de seus irmãos; [...]. o pranto orvalhou seu lindo semblante”.
Em meio à grande dor e tristeza que ocupava o coração de Iracema, ela pediu a seu esposo, o guerreiro branco, que ambos saíssem daquelas terras, as quais só lhes traziam lembranças amargas, difíceis de serem superadas. Martim resolveu atender ao pedido de sua amada e com eles foi também Poti, o fiel amigo do guerreiro. Como descreve o autor (p.63): “O guerreiro do mar deixa as margens do rio das garças e caminham para as terras onde o sol se deita. A esposa e o amigo seguem sua marcha.” Nesta perspectiva s três tiveram um longo percurso, viajaram dia e noites em busca de um local que possibilitasse suas moradas com tranqüilidade, ou seja, uma terra fértil que produzisse tudo aquilo que eles necessitassem para a sua sobrevivência. Assim, relata (p.67) “[...], o cristão escolheu um lugar para levantar a cabana, Poti cortou esteios dos troncos da carnaúba; a filha do pajé ligava os leques da palmeira para vestir o teto e as paredes; Martin cavou a terra e fabricou das fasquias da taquara.”.
Dessa forma, Iracema vivia intensamente este amor proibido e embebia seu coração de felicidade. Assim com tanta alegria Iracema resolve então contar a novidade tão esperada por ela e pelo amado, a qual o deixaria mergulhado de tanta felicidade. “Teu sangue já vive no seio de Iracema. Ela será mãe de teu filho. (p.72)”. Conforme, o guerreiro felicíssimo ficou a flutuar como que fosse algodão que é levado pelo vento, afinal ele seria pai e com um gesto admirável demonstrou que estava radiante. De acordo com o autor: Martim, (p.72) “ajoelhou ali e cingindo-a com os braços, beijou o seio fecundo da esposa.” Ainda assim, Iracema, tendo em seu ventre um filho não conseguiu que seu amado desistisse de sair para lutar.
Logo, o guerreiro prosseguia em suas idas a terras distantes para travar disputas, enquanto sua tristonha o esperava. Dias e noites se passavam e é chegado o momento em que Iracema dará a luz, ela, por sua vez estava sozinha quando, segundo o autor, (p.89): “[...] a dor lacerou suas entranhas; porém logo o choro infantil inundou sua alma de jubilo.”. Naquele momento, com o nascimento de seu filho, Iracema preencheu-se de grande amor e ternura, cuidando de lavá-lo e segurando-o entre seus braços o amamentou. Contudo, Iracema olhava meio tristonha para aquele pequeno ser e deu-lhe o nome, de acordo com Alencar, (p.89): “Tu és Moacir, o nascido do meu sofrimento.”
Com a demora de seu amado, a tristeza invadia o coração da jovem mãe, esta por sua vez, não encontrava forças para superar essa angustia e o seu filho já não encontrava leite suficiente no momento de sua amamentação, conforme, Alencar (p.95). Iracema sentia-se totalmente enfraquecida e quando Martin retornou teve forças apenas para entregar o filho de seu sangue e fazer-lhe o último pedido. “Enterra o corpo de tua esposa ao pé do coqueiro que amavas.”
Entretanto, a morte de Iracema trouxe ao guerreiro uma grande dor, isto fez com que o Pmesmo, tomasse seu filho nos braços e abandonasse aquele local, que segundo o autor, (p. 96) “um dia veio chamar-se Ceará.” Quatro anos depois Martim retorna para espalhar naquelas terras a sua religião convertendo os outros guerreiros e ensinando-lhes novos costumes. Entretanto seguia com suas batalhas na conquista de novas terras, mas sem jamais esquecer a índia que lhe fizera tão feliz, de acordo com o autor, (p. 98) “Era sempre com emoção que o esposo de Iracema revia as plagas onde foram tão felizes e as verdes folhas, a cuja sombra dormia a formosa tabajara.”
Na elaboração deste livro José de Alencar rompe com os padrões estilísticos e gramaticais portugueses, sobretudo pelo emprego acentuado do vocabulário tupi, esforço de criação de um romance tipicamente brasileiro. Utiliza uma sequencia de fatos coerente, fator que garante que suas idéias sejam compreendidas. Emprega a todo instante, comparações entre as características e sentimentos dos personagens com os elementos da natureza. Com o romance “Iracema”, o autor visa transmitir através de um casal protagonista Iracema “índia colonizada” e Martim “branco colonizador” para representar as origens do país em seu processo de colonização. Logo, a leitura deste livro proporciona aos profissionais da educação, bem como os estudantes de Letras um amplo conhecimento, tornando-os capazes de adquirir posicionamentos críticos acerca da temática citada na obra.

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